Música para o Espírito

quinta-feira, 23 de julho de 2015

TERRY EAGLETON CONTRA OS PÓS-MODERNOS: A IRONIA DE UMA CRÍTICA CORROSIVA.

Terry Eagleton contra os pós-modernos: a ironia de uma crítica corrosiva.
Lisandro Braga[1].

O pós-modernismo crê que alguém
inventou sem fundamento algum
a proposição de que é possível
“explicar” alguma coisa.
 Júlio Aróstegui



Resumo: No presente artigo pretendemos analisar a produção teórica de Terry Eagleton acerca do pós-modernismo e sua vertente culturalista. Para isso utilizaremos, fundamentalmente, duas de suas principais obras, As ilusões do pós-modernismo (1998) e Depois da teoria – Um olhar sobre os estudos culturais e o pós-modernismo (2005), que foram dedicadas a desmascarar, com requintes de ironia e corrosão, as ilusões estéreis desse movimento cultural que, segundo Viana (2009), expressa uma contra-revolução cultural preventiva.

Palavras-chave: Modernidade, crise de acumulação, pós-modernismo, ideologia e luta de classes.

Abstract: In this article we intend to analyze the theoretical production of Terry Eagleton on the post-modernism and its cultural. To do this we will use essentially two of his major works, The Illusions of Postmodernism (1998) and After Theory – a look at the cultural studies and postmodernism (2005), who were dedicated to exposing, with touches of irony and corrosion, the sterile illusions of cultural movement that, according to Marcuse (1981) express a preventive counter-revolution or, as prefer Viana (2009), a preventive counter-cultural revolution.

Key-works: Modernity, crisis of accumulation, post-modernism, ideology and struggle class.

O que é a modernidade? Em que consiste a pós-modernidade e o pós-modernismo? Em que contexto histórico o pós-modernismo emerge, que relação orgânica possui com tal contexto e que interesses e necessidades visa atender? Essas são questões que ao longo desse capítulo buscaremos respostas e, juntamente, com essas apresentaremos os principais argumentos e críticas de Terry Eagleton.
 A modernidade equivale ao resultado final de um amplo processo histórico de transição do feudalismo para o capitalismo, ou seja, denominamos de modernidade a totalidade das relações sociais existentes no modo de produção capitalista que tem como determinação fundamental a produção de mercadorias, que corresponde na essência à produção e expropriação de mais-valor. Portanto, nessa relação de produção e expropriação prevalece a exploração de uma classe social sobre outra e, conseqüentemente, a luta contra a exploração. Vejamos, então, como se dá essa relação de exploração e a luta de classes na modernidade.
As duas principais classes sociais da modernidade são a burguesia e o proletariado. Da relação entre essas classes é que deriva a produção de mais-valor. Para lucrar no processo de produção de mercadorias a burguesia necessita extrair do trabalho do proletariado, além do suficiente para repor os custos da produção (matérias-primas, desenvolvimento tecnológico, maquinaria, salários e etc), algo a mais que corresponda a todo trabalho exercido pelo mesmo no qual ele não recebe, pois, é expropriado pela burguesia. Constata que
a produção de capital (mais-valor convertido em lucro) é formada por dois componentes existentes no processo de produção denominados de trabalho morto (matéria-prima, maquinaria e tecnologia em geral) e trabalho vivo que consiste na força de trabalho operária. O primeiro não tem capacidade de gerar valor e apenas repassa seus custos durante o processo produtivo, já o segundo é a única força geradora de capital, ou seja, acrescenta à mercadoria mais do que o valor gasto na sua produção. Por isso esse capital extra é denominado mais-valor (Braga, 2010, p. 06).

A produção de mercadorias consiste em um processo de acréscimo de valor, no entanto, sua consolidação não ocorre na produção, mas sim no mercado, no consumo das mercadorias. Numa sociedade fundamentada em relações sociais mercantilizadas, como a sociedade moderna, a produção de mais-valor é seu fundamento e revela a essência da exploração capitalista. Sendo assim,
O que caracteriza a modernidade? Podemos dizer que é a mercadoria, tal como é produzida em nossa sociedade. A produção capitalista de mercadorias revela uma relação de exploração e dominação de uma classe social sobre outra. O processo capitalista de produção de mercadorias é um processo de produção de mais-valor, tal como demonstrou Marx (Viana, 2009a, p. 25).

Vale ressaltar que a relação entre burguesia e proletariado na modernidade é marcada pelo conflito entre os diversos interesses antagônicos dessas duas classes. A afirmação do capital realiza-se na negação do proletariado uma vez que este, no processo de produção, desempenha atividades alheias às suas necessidades, não atinge através de suas potencialidades sua auto-realização total, encontra-se completamente separado dos produtos do seu trabalho e, dessa forma, sofrendo um processo de estranhamento. Segundo Marx, 
O trabalhador só se sente, por conseguinte e em primeiro lugar junto a si fora do trabalho e fora de si no trabalho. Está em casa quando não trabalha e, quando trabalha, não está em casa. O seu trabalho não é, portanto, voluntário, mas forçado, trabalho obrigatório. O trabalho não é, por isso, a satisfação de uma carência, mas somente um meio para satisfazer necessidades fora dele. Sua estranheza evidencia-se aqui tão pura que, tão logo inexista coerção física ou outra qualquer, foge-se do trabalho como de uma peste. O trabalho externo, o trabalho no qual o homem se exterioriza, é um trabalho de auto-sacrifício, de mortificação. Finalmente, a externalidade do trabalho aparece para o trabalhador como se não fosse seu próprio, mas de um outro, como se não lhe pertencesse, como se ele no trabalho não pertencesse a si mesmo, mas a um outro (2004, p. 83).

Por conta desse caráter alienado do trabalho, o proletariado procura incessantemente encontrar formas que garantam o mínimo da sua integridade física no trabalho e isso se evidencia nas inúmeras possibilidades e maneiras de resistência e luta contra a opressão do capital. Essas atitudes de resistência ocorrem de diversas formas, tais como as mais pacíficas e camufladas como a “operação tartaruga”, o absenteísmo, o atraso nos locais de trabalho, a destruição de peças e ferramentas que emperram o desenrolar da produção, as constantes idas ao banheiro e sua demora etc.
Além dessas formas imediatas, as lutas contra a exploração do trabalho tendem a adquirir em momentos de crise e de radicalidade, uma postura mais nitidamente política[2], tal como é perceptível nos processos de realização de greves que atingem caráter geral, com a ocupação de fábricas e auto-organização da produção, no qual o proletariado deixa de ser uma “classe em si” para se tornar uma “classe para si”.  Essa dinâmica acompanha o desenvolvimento capitalista desde o seu nascimento até os dias atuais e inúmeros exemplos históricos poderiam ser citados: As revoluções de 1848 na Europa, a Comuna de Paris em 1871, as experiências russas a partir dos sovietes em 1905 e 1917, a revolução alemã nas décadas de 1920, a ocupação de fábricas na Argentina do final da década de 1990 até aproximadamente 2004 e assim por diante. Essa é uma tendência intrínseca ao modo de produção capitalista.
Um amplo debate sociológico já existe em torno dessa mudança de postura do proletariado, porém não é nosso interesse resgatar tal debate, mas tão somente apresentá-lo segundo a perspectiva do proletariado, ou seja, procurando compreender quem é essa classe social, como se relaciona com a sociedade capitalista (modernidade) e como enxerga tal sociedade a partir da experiência que mantém com a mesma. Em síntese “essa perspectiva, segundo Marx, marcaria a unidade entre o que é visto e a forma como se vê” (Viana, 2007, p. 75).
A análise que Marx realiza sobre o proletariado consiste em uma análise sobre a ontologia do proletariado, sobre sua essência e não sua aparência. Sendo assim, é possível encontrar na teoria de Marx uma análise sobre o ser-do-proletariado, conforme explicitado na seguinte passagem:
“não se trata de saber que objetivo este ou aquele proletário, ou até o proletariado inteiro, tem momentaneamente. Trata-se de saber o que é o proletariado e o que ele será historicamente obrigado a fazer de acordo com este ser” (Marx & Engels Apud Viana, 2008, p. 59).

Nesse sentido, a resistência implementada pelo proletariado não visa apenas adquirir, de imediato, melhores condições de trabalho e vida, mas, também, a abolição do trabalho alienado em sua totalidade. Nesse processo histórico de luta o proletariado forma sua consciência de classe, constrói suas estratégias de lutas, abandona as estratégias ultrapassadas e forja novos mecanismos de resistência e avanço da luta em direção à construção daquilo que Marx denominou de “livre associação de produtores”, ou seja, uma sociedade na qual o proletariado deixa de ser hetero-determinado (consciência de si), e se torna auto-determinado (consciência para si) a partir do enfrentamento. Portanto, a luta de classes, assim como a produção de mais-valor, representa dois dos fundamentos essenciais da modernidade.
Além dessas duas principais características da modernidade, coexistem diversas outras características secundárias que derivam do seu fundamento, tais como: racionalização da produção, competição capitalista, avanço tecnológico, burocratização social, propaganda e marketing, fetichismo da mercadoria, consumismo, mercantilização das relações sociais, produção cultural ideológica, luta de classes nas esferas intelectuais e culturais etc. Várias outras características existem, no entanto, para o propósito desse artigo essas nos parecem suficientes.
Em termos metodológicos toda essa discussão remete às categorias centrais da teoria marxista: totalidade e determinação fundamental. A totalidade refere-se à sociedade moderna como um todo, suas múltiplas determinações inter-relacionadas que o envolvem, mas que possui uma determinação fundamental na qual todas as demais se baseiam que consiste no modo de produção capitalista e toda sua dinâmica revelada  na produção de mercadorias. Vale lembrar que um dos fundamentos do pós-modernismo está na negação dessas categorias enquanto ferramenta metodológica para se compreender a realidade social.
Depois de caracterizar a modernidade, iremos a partir de agora apresentar o que é a pós-modernidade e o pós-modernismo, segundo seus arautos e, posteriormente, ofereceremos as análises feitas por Terry Eagleton e suas principais críticas endereçadas aos intelectuais pós-modernos e suas ilusões, conforme afirma o título de uma das suas principais obras: As ilusões do pós-modernismo (1998).
 Vale advertir que, devido aos limites e propósitos desse texto, ou seja, a crítica de Terry Eagleton aos pós-modernos, a mesma é realizada de forma geral, pois não realizamos nenhuma análise aprofundada sobre as concepções específicas de determinados autores pós-modernos, nem tão pouco às singularidades de suas obras. Contentamo-nos em promover uma análise geral sobre tais autores, pautada por aquilo que os aproxima, mesmo sabendo que não há homogeneidade na caracterização do pós-modernismo, assim como no modernismo. Igualmente, a análise de Eagleton sobre tais ideólogos, e que é tema central desse artigo, se procede da mesma forma.
Assim como ocorreu com o marxismo – e ainda ocorre -, inúmeras foram as vezes que a modernidade teve sua morte decretada. De acordo com Ellen Meiksins Wood, no período que abrange a I Guerra Mundial, Oswald Spengler inaugura essa tese ao escrever sua conhecida obra A decadência do Ocidente (1918) na qual proclamava o fim dos valores dominantes da cultura ocidental (a modernidade), visto que “os laços e tradições que mantinham coesa a sociedade estavam apodrecendo, e as solidariedades da vida se desintegravam, juntamente com a unidade de pensamento e cultura” (Wood, 1999, p. 07).
 Nessa mesma perspectiva, ainda na década de 1950, C. Wright Mills afirmou ter chegado ao fim a era moderna e que a mesma “está sendo substituída pelo período pós-moderno” (Mills apud Wood, 1999, p. 07). Segundo Mills, a crença no progresso da razão e da liberdade derivada do iluminismo, juntamente com suas principais ideologias – o liberalismo e o socialismo –, haviam se esgotado.
No caso de Mills, havia todo um contexto “favorável” a essa crença, pois a década de 1950 foi marcada por um período de grande prosperidade do capitalismo no qual o desemprego praticamente havia sumido, as legislações trabalhistas haviam sido criadas, a ocorrência de um aumento significativo dos salários, do consumo e etc. Em suma tal período coincide com o período de instalação do Estado do “bem-estar-social” que motivou milhares de teóricos e estudantes universitários a acreditarem que todos os males derivados do capitalismo teriam se erradicado.
Juntamente com essa pseudo-erradicação[3] dos principais males da sociedade capitalista, nasce, também, a ideologia do fim da classe operária. Tal ideologia não é homogênea, visto que para alguns tal tese se confirma pela expansão dos setores de serviços em detrimento do setor industrial (Offe, 1989) enquanto para outros a explicação passa pelo fim da utopia da sociedade do trabalho (Habermas, 1987). Vários outros autores, com explicações diferenciadas, concordaram com essa tese, dentre eles podemos citar Gorz, Foucault, Touraine e outros mais. No fundo o que tais ideologias possuem em comum é o fato das mesmas buscarem “ofuscar o marxismo e criar novas ideologias substitutas, para facilitar, assim, o processo de dominação e reprodução do capital (Viana, 2009, p. 171). É nesse clima de contestação das principais bases teórico-explicativas da modernidade - podendo aqui ser entendida enquanto sinônimo de marxismo - que surgem os primeiros anunciadores do fim da modernidade e início da pós-modernidade.
Mas “de onde vêm os pós-modernistas”? Poderíamos responder dizendo que os mesmos são oriundos do final da década de 60 e início da década de 70, período marcado pela crise de acumulação capitalista que é decorrente da tendência declinante da taxa de lucro – que caminha com o capitalismo tal como suas necessidades de maximização dos lucros, como diria Marx, com sorriso irônico: crise insolúvel – da ascensão das lutas sociais e do questionamento da sociedade burguesa que em determinados momentos adquiriu coeficientes de radicalidade. O maio de 68 assim como o movimento de contracultura, o pacifismo e outros foram exemplos disso.
Juntamente com a ascensão do movimento operário e de outros movimentos radicais, vários intelectuais críticos são resgatados fomentando e acirrando as lutas. Tudo isso acabou contribuindo para a reflexão sobre os problemas que afetavam vários grupos sociais da época (estudantes, operários, mulheres, negros norte-americanos, os marginalizados e etc). Assim, diversas temáticas (cotidianidade, indústria cultural, razão instrumental, movimentos sociais, marginalidade etc) passam a ser valorizadas e não mais desprezadas pela intelectualidade. Porém, devido à intensa repressão capitalista aos movimentos mais radicalizados, a inexistência de uma estratégia revolucionária e uma série de outras determinações, ocorre o refluxo desse movimento denominado de Maio de 68 e juntamente com ele reinstala a normalidade capitalista.
 É nesse contexto que nasce o pós-modernismo como uma reação cultural ao movimento contestador, incorporando às suas análises os temas anteriormente citados, porém de forma despolitizada, fragmentada e com total desprezo pela totalidade das relações sociais. Conforme afirma Viana, o pós-modernismo
 retoma, isolando e despolitizando, os temas das lutas operárias e estudantis do final da década de 60, quando houve uma ascensão das lutas sociais e das concepções revolucionárias que se opuseram ao conservadorismo, reformismo e crítica resignada existente (2009a, p. 32).

Com o propósito de valorizar os aspectos da vida cotidiana das pessoas comuns ao invés de análises totalizantes como a que valoriza o conhecimento sobre as relações entre classes sociais e suas lutas emancipatórias, os estudos culturais pós-moderno tem cada vez mais promovido uma total despolitização da vida social. Terry Eagleton se posiciona de forma bastante crítica contra essa despolitização que por si só expressa interesses políticos e de classes. Uma das maiores características de sua escrita consiste na ironia de uma crítica corrosiva que pode ser percebida em todos os seus principais textos sobre o pós-modernismo e os estudos culturais.
 Não é difícil encontrar adeptos dessa vertente culturalista pós-moderna tentando justificar suas opções por determinadas temáticas, diga-se de passagem, fúteis e apolíticas, sob a alegação do prazer maior em pesquisá-las. É como se fosse uma obrigação ter prazer no ato da investigação. Talvez seja por isso que
em alguns círculos culturais, a política da masturbação exerce fascínio muito maior do que a política do Oriente Médio.  O socialismo perdeu lugar para o sadomasoquismo. Entre estudantes da cultura, o corpo é um tópico imensamente chique, na moda, mas em geral, o corpo erótico, não o esfomeado. Há um profundo interesse por corpos acasalados, mas não pelos corpos trabalhadores. Estudantes de classe média e de fala mansa amontoam-se diligentemente nas bibliotecas para trabalhar com temas sensacionalistas como vampirismo e arranca-olho, seres biônicos e filmes pornôs (...) é parecido com escrever sua tese de mestrado comparando diferentes sabores de uísques maltados ou sobre a fenomenologia de um dia passado na cama. Isso cria uma continuidade entre o intelecto e a vida cotidiana (...) questões intelectuais já não são mais uma assunto tratado nas torres de marfim, mas fazem parte do mundo da mídia e dos shoppings centers, dos quartos de dormi e dos motéis. Como tal, elas retornam ao domínio da vida cotidiana – mas só sob a condição de correrem o risco de perder a habilidade de criticar essa mesma vida. (Eagleton, 2005, p. 15).

Em sua obra As ilusões do pós-modernismo (1998), Terry Eagleton diferencia pós-modernidade de pós-modernismo. Para ele,
A palavra pós-modernismo refere-se em geral a uma forma de cultura contemporânea, enquanto o termo pós-modernidade alude a um período histórico específico. Pós-modernidade é uma linha de pensamento que questiona as noções clássicas de verdade, razão, identidade e objetividade, a idéia de progresso ou emancipação universal, os sistemas únicos, as grandes narrativas ou os fundamentos definitivos de explicação. Contrariando essas normas do iluminismo, vê o mundo como contingente, gratuito, diverso, instável, imprevisível, um conjunto de culturas ou interpretações desunidas gerando um certo grau de ceticismo em relação à objetividade da verdade, da história e das normas, em relação às  idiossincrasias e a coerência de identidades. Essa maneira de ver, como sustentam alguns, baseia-se em circunstâncias concretas: ela emerge da mudança histórica ocorrida no Ocidente para uma nova forma de capitalismo – para o mundo efêmero e descentralizado da tecnologia, do consumismo e da indústria cultural, no qual as indústrias de serviços, finanças e informação triunfam sobre a produção tradicional, e a política clássica de classes cede terreno a uma série difusa de “políticas de identidade”. Pós-modernismo é um estilo de cultura que reflete um pouco essa mudança memorável por meio de uma arte superficial, descentrada, infundada, auto-reflexiva, divertida, caudatária, eclética e pluralista, que obscurece as fronteiras entre cultura “elitista” e a cultura “popular”, bem como entre a arte e a experiência cotidiana (1998, p. 07).

Na introdução dessa obra Eagleton esclarece que optou, mesmo sabendo da imensa heterogeneidade que compõe o pós-modernismo, em unificar tanto o período histórico (pós-modernidade) quanto à sua cultura dominante (pós-modernismo) no próprio conceito de pós-modernismo. Portanto, esse foi utilizado para designar as duas coisas. Ele afirma, também, que toda a sua análise sobre o pós-modernismo parte de premissas essencialmente socialistas.
A derrota da esquerda nas lutas das décadas de 1960/1970 deixou grande parte da intelectualidade órfã de um projeto alternativo de sociedade e instalou uma completa desilusão quanto a qualquer possibilidade palpável de mudança social e combate ao sistema capitalista. Mais do que isso, a partir daí o desânimo e a desesperança chegou ao ápice da descrença ao colocar em xeque a própria possibilidade de compreensão da realidade, quanto mais de sua transformação. O máximo possível seria a busca pela compreensão de micro-esferas do real, a construção de solidariedades de grupos fragmentados exigindo micro-reformas gradativas a partir de uma infinidade de identidades fluídas e que não mais se relacionavam com a totalidade, se é que é possível falar da existência da mesma segundo os pós-modernos. Para Eagleton,
a base histórica dessa crença reside na falência temporária dos movimentos políticos concomitantemente de massa, de centro e produtivos; mas tal fato não basta para que uma análise do ponto de vista histórico proceda à generalização que transforma essa crença em doutrina universal. Adotariam essa teoria os que eram jovens demais para lembrar de uma política de massa radical, mas que tiveram suficientes experiências desastrosas e funestas com as maiorias opressivas (1998, p. 13).

Daí pra frente os temas dominantes no universo intelectual acadêmico estariam mais interessados em discutir o supérfluo, o detrito ao invés do totalizante e do concreto. Até mesmo porque as noções clássicas de verdade, razão, liberdade, essência, emancipação e conhecimento da realidade não passavam, segundo os pós-modernos, de meta-relatos filosóficos, construções lingüísticas, apenas discursos. Essa última palavra passaria a servir de amuleto para descaracterizar qualquer pesquisa compromissada em desmascarar as relações de opressão pautada pela determinação fundamental existente, ontologicamente e não aparentemente, na relação capital/trabalho. Em um período como esse não é de surpreender que “palestras intituladas ‘restituindo o ânus a Coriolanus’ atrairiam hordas de acólitos excitados, pouco versados em burguesia mas muito em sodomia” (Ibid, 1998, p. 13).
Sem sombra de dúvidas, boa parte da crítica pós-moderna aos referenciais metodológicos e teóricos da modernidade é endereçada ao marxismo, pois é nele que as concepções mais radicais dos movimentos de contestação do final da década de 60 buscavam se fundamentar e é primordialmente contra ele que a “contra-revolução cultural preventiva” (Viana, 2009) buscava combater e substituir. Portanto, cabe esclarecer em que consiste uma das principais categorias analíticas do marxismo (a totalidade) para melhor compreender a intensa recusa do pós-modernismo a essa categoria considerada como ineficaz e ambiciosa demais.
Em síntese podemos dizer que uma análise que parte da perspectiva da totalidade não é exclusividade do marxismo, no entanto essa categoria na análise marxista se distancia quilômetros e quilômetros das demais análises. De acordo com o materialismo histórico-dialético a concepção de totalidade equivale ao que abarca o todo, ou seja, a sociedade. No entanto, a sociedade é resultado de uma síntese de múltiplas determinações (ex: políticas, culturais, sociais, jurídicas, ideológicas e etc). Nesse sentido, a sociedade é composta por diversas partes, mas dentre essas diversas partes existe uma que exerce determinação fundamental: o modo de produção de determinada sociedade. Isso equivale dizer que as inúmeras determinações da sociedade estão fundamentadas no modo de produção capitalista, no caso da sociedade moderna.
Portanto, compreender uma das determinações ou parte da sociedade capitalista remete necessariamente à sua determinação fundamental, a forma como essa parte (micro) está fundamentada no modo de produção. Logo, não há nenhum fenômeno social que flutua acima da sociedade capitalista, nem mesmo a cultura como parece sugerir a vertente culturalista do pós-modernismo que ao acusar o marxismo, de forma equivocada, de promover um determinismo econômico, acaba por promover um determinismo cultural uma vez que para esses
“agora é a cultura, não Deus nem a Natureza, que é o fundamento do mundo. Não é, com certeza, um fundamento dos mais estáveis, dado que as culturas mudam e há muita variedade delas (...) Cultura, então, é um tipo acidentado de resultado final, mas, ainda assim, um resultado final. Pega tudo, do começo ao fim. Em vez de fazermos o que vem naturalmente, fazemos o que vem culturalmente (...) Cultura é um conjunto de hábitos espontâneos tão profundos que não podemos nem ao menos examiná-los. E isso, entre outras coisas, convenientemente os protege – nesse caso os culturalistas - de críticas (Ibid, 2005, p. 90-91 – grifos meus).

Não é à toa que a intelectualidade pós-moderna prefere, ao invés de partir da totalidade, suas análises ditas desinteressadas e simplórias, pois
compreender uma totalidade complexa envolve certo volume de uma análise rigorosa. Por isso mesmo, não é de surpreender que um pensamento sistemático e árduo como este esteja fora de moda e seja ignorado como fálico, cientificista ou qualquer coisa no tipo de período que estamos imaginando. Se não há nele nada particularmente que nos indique onde estamos – se somos um professor em Ithaca ou Irvine, por exemplo – podemos nos dar o luxo de sermos ambíguos, evasivos, deliciosamente vagos (Ibid, 1999, p. 26).

Nessa passagem Eagleton demonstra como os fundamentos ideológicos do pós-modernismo “encaixa como uma luva” para os interesses, valores e perspectivas de classe dos pós-modernos, pois afirmar que nada pode ser compreendido a não ser meras representações fragmentadas, que a verdade não passa de mera ambição da intelectualidade dita radical e que o real nada mais é que um discurso entre os vários possíveis e aceitos, acaba por isentá-los politicamente e mantê-los na pseudo-neutralidade axiológica antes mesmo de pronunciar suas “perspectivas”, pois
a suposição de que qualquer crítica de interesses precisa ela mesma ser desinteressada mostra como o pós-modernismo ainda está comprometido com seus ancestrais metafísicos. Ocorre apenas que esses ancestrais acreditavam na possibilidade do desinteresse, ao passo que os pós-modernistas não; fora isso, nada mudou. Se a crítica fosse mesmo desinteressada, por que alguém ia perder tempo praticando-a? Se para o pós-modernismo não podemos sujeitar nossos próprios interesses e crenças a uma dose de crítica radical, isto se dá porque a crença, ou o interesse, ou o discurso, agora elevou-se ao tipo de posição transcendental já ocupado por uma subjetividade universal e, antes disso, por vários outros candidatos que não aparentavam a menor qualificação para a função. Agora, os interesses transcendentais, autovalidáveis, impérvios à crítica, e esta postura decerto interessa alguém (...) uma vez que esse tipo de argumentação, que deixa nossas crenças e investimentos sociais imunes a todas as ameaças radicais, nada mais é que um verdadeiro discurso ideológico (Ibid, 1998, p. 44).

 Deste modo,
Não buscar a totalidade representa apenas um código para não se considerar o capitalismo. Mas o ceticismo em relação às totalidades, de esquerda ou de direita, costuma ser um tanto espúrio. Ele em geral acaba significando uma desconfiança de certos tipos de totalidade e um endosso entusiasta de outros. Alguns tipos de totalidade – prisões, patriarcado, o corpo, ordens políticas absolutistas – se constituiriam tópicos aceitáveis de discussão, enquanto outros – modos de produção, formações sociais, sistemas doutrinários – sofreriam uma censura velada. (Ibid, 1998, p. 20)

Sem dúvida o marxismo não se interessou pela análise de diversos fenômenos sociais, mas isso não significa que seus referencias metodológicos devam ser descartados, nem tão pouco que é responsabilidade do marxismo compreender absolutamente tudo, pois não é exatamente esse o significado de totalidade para o marxismo. Em uma das passagens da obra Depois da teoria – um olhar sobre os estudos culturais e o pós-modernismo (2005), Eagleton comenta, de forma irônica e corrosiva, sobre essa confusão:
é verdade, ainda assim, que o movimento comunista havia sido culpavelmente omisso sobre algumas questões centrais. Mas o marxismo não é uma Filosofia da Vida ou Segredo do Universo, e não se sente obrigado a pronunciar sobre qualquer coisa entre como se sair bem abrindo um ovo quente e a maneira mais rápida de acabar com piolhos em cocker spaniels. É uma descrição, grosso modo, de como um modo histórico de produção se transforma num outro. Não é uma deficiência do marxismo que não tenha nada muito interessante a dizer sobre a melhor maneira de fazer uma dieta – se com exercício físico ou costurando as mandíbulas com arames. Nem tão pouco é um defeito do feminismo ter-se calado até agora sobre o Triângulo das Bermudas. Alguns dos que reprovam severamente o marxismo por não dizer o suficiente são também alérgicos às grandes narrativas que tentam dizer demais (2005, p. 56).

Assim como as ciências sociais sofreu um conjunto de transformações no início da década de 1970, importantes mudanças ocorreram nos paradigmas da história. Segundo Aróstegui, a partir dessa década surgem, primeiramente na América e logo depois na Europa, vários questionamentos sobre a credibilidade das antigas doutrinas e diagnósticos que dominaram as pesquisas sociais e historiográficas dos últimos trinta anos. Para ele essa suposta crise paradigmática pode ser entendida como um “esgotamento generalizado dos paradigmas que durante essa época de esplendor haviam exercido uma influência decisiva: o marxismo, o funcionalismo, o estruturalismo e, além disso, na historiografia, o da escola dos annales” (Aróstegui, 2006, p. 175). Todas essas correntes estavam fundamentadas na crença no poder da teoria, na eficácia e superioridade de seus métodos.
O tipo de história fundamentada nesses paradigmas gera repulsa para os pós-modernos que a partir de então passam a apostar em projetos menos ambiciosos. Para eles a história com H maiúsculo consiste em teleologia pura, uma vez que apresenta sua direção rumo ao progresso. Contradições a parte, a ambição, nada modesta, dos pós-modernistas era de oferecer novos fundamentos alternativos ao marxismo, que passava a sofrer a acusação de ser progressista, evolucionista, essencialista, economicista e etc. Todas essas acusações são inteiramente questionáveis, dependendo do significado que tais acusações adquiram. No entanto, não entraremos em detalhe a respeito das mesmas nesse texto.
A tentativa de fundamentar essa nova e alternativa forma de interpretar o social surge com a obra O pós-moderno (1984) de Jean François Lyotard. Seu fundamento básico consiste na afirmação da crise da modernidade, ou seja, na morte do projeto intelectual baseado na valorização da racionalidade teórica e instrumental do conhecimento científico. Segundo o próprio autor, “simplificando ao extremo, considera-se ‘pós-moderna’ a incredulidade em relação aos meta-relatos” (Lyotard, 1986) . Como coloca Eagleton,
 a História, em oposição a história com h minúsculo, é para o pós-modernismo um caso de teleologia. Isto é, ela depende da crença de que o mundo está rumando propositadamente em direção a algum objetivo predeterminado, mas mesmo assim imanente, que dá a dinâmica para esse desenrolar inexorável (1998, p. 51).

Para os pós-modernistas não existe mais uma História que possa ser descrita enquanto uma continuidade linear, nenhuma meta-narrativa fundamentada numa lógica singular, pois a história não passa de constantes mutabilidades, uma infinita descontinuidade, um rio sem curso definido e pensar o contrário, afirmando que a mesma está caminhando em alguma direção específica não passaria de teleologia arbitrária. Mais uma vez esse tipo de acusação se dirige contra o marxismo que pejorativamente é denominado de pensamento teleológico. No entanto, e infelizmente, tais pós-modernistas se encontram completamente equivocados, pois a essência (determinação fundamental) da história humana está firmemente ancorada em uma história permanente de opressão e miséria. Basta perceber que
 “a história para a grande maioria de homens e mulheres que viveram e morreram, constitui-se em um relato de incessante trabalho e opressão, de sofrimento e degradação – tanto que, como Schopenhauer teve a coragem de confessar, teria sido preferível para muita gente não ter nascido. E em lugar de ‘muita, Sófocles usaria ‘toda a’” (Ibid, 1998, p. 58).

Como pensar então na possibilidade de uma história diferente, na qual a opressão e miséria crescente que agoniza milhares de homens e mulheres em todo o mundo não passaria de objetos ultrapassados de investigação, tanto quanto a constatação óbvia de que os mesmos para sobreviver precisam de uma dieta calórica mínima e diária? Novamente precisamos de uma análise totalizante que nos possibilite visualizar o fundamento da produção de riqueza assim como da pobreza no capitalismo. Na verdade pensar uma coisa separada da outra não faz o menor sentido. Segundo Eagleton, aqui esbarramos num grande obstáculo, segundo os pós-modernistas, pois trata-se de pensar uma categoria que para eles é tão nociva “quanto sal e tabaco”, classe social.
A moda agora é falar de identidades fragmentadas e não mais de classe social, esse conceito elitista, heterodeterminado pela intelectualidade marxista que ignora os sujeitos e suas percepções de mundo. Os indivíduos pós-modernos não mais se identificam como pertencendo a essa ou aquela classe, mas sim a identidades múltiplas, variáveis e sensivelmente instáveis baseadas, por exemplo, na raça, gênero e sexualidade. É necessário lembrar os pós-modernos que a pertença de classe não depende, necessariamente, do fato de o indivíduo se identificar ou não com essa ou aquela classe, com esses ou aqueles valores, gostos e tradições. Pelo contrário,
os marxistas consideravam que pertencer a uma classe social significa ser oprimido ou opressor. Classe significa nesse sentido categoria totalmente social, o que não acontece com o fato de ser mulher ou de ter um certo tipo de pigmentação da pele. Essas coisas, que não se devem confundir com ser feminina ou afro-americano, derivam do tipo de corpo que você tem e não do tipo de cultura a que você pertence (...) Ninguém, entretanto, tem um tipo de pigmentação da pele porque outra pessoa tem outra, nem é homem porque alguém mais é mulher, mas certas pessoas só são trabalhadores sem terra porque outros são fazendeiros (Ibid, 1998, p. 62-63).

Não se trata, como o próprio Eagleton ressalta, de uma competição entre marxistas e pós-modernistas para saber qual grupo oprimido será eleito e promovido enquanto agente potencialmente transformador, mas sim de reconhecer o locus de produção de todas as condições de opressão presentes no capitalismo e, inevitavelmente, tal reconhecimento exige que nossa atenção volte para a produção material da sociedade e lá o proletariado adquire centralidade. Vejamos de perto o que essa constatação representa concretamente.
Em síntese a centralidade do proletariado reside no fato do seu trabalho ser o único componente que acrescenta mais-valor no processo de produção, ou seja, somente com a força viva do proletariado é possível pensar num processo produtivo de mercadorias que gere lucro. As duas principais classes sociais da modernidade – burguesia e proletariado – ao se relacionarem na produção é que possibilita a produção de mercadorias. E como essas se relacionam?
 A burguesia que é detentora dos meios de produção necessita da força de trabalho do proletariado que nada tem a oferecer além dessa. A primeira investe em maquinaria, matérias-primas e tecnologia em geral, isso equivale a custos iniciais que somente podem ser repassados sem gerar, por conta própria, mais do que o valor gasto na sua aquisição. Já o proletariado além de produzir o necessário para repor tais custos e seu salário, produz um quanto superior, ou seja, mais-valor e aqui encontra-se a chave da lucratividade capitalista. Portanto, podemos afirmar que o proletariado representa o sujeito histórico potencialmente revolucionário uma vez que, somente através da exploração do seu trabalho via extração de mais-valor é que o capitalismo existe.
Além disso, somente através da sua negação em manter-se como classe oprimida é que o capital se encontra ameaçado. Assim, o proletariado possui uma centralidade na luta contra as condições de opressão que atingem os seres humanos na modernidade, pois se apenas com o seu trabalho existe capital, somente na negação de trabalhar, realizando lutas contra a alienação e que apontam para a superação completa do status quo, é que o capital pode deixar de existir juntamente com toda história de crueldade e subjugação que o acompanha.
Para finalizarmos resta sabermos se as características fundamentais, juntamente com algumas outras características da modernidade, ainda estão presentes na contemporaneidade e se estão qual é o sentido de afirmar a existência da pós-modernidade? Afinal de contas tal período não deveria representar uma sociedade pós-capitalismo onde a produção de mercadoria e a luta de classes não mais equivaleriam a seu fundamento?
As décadas de 60 e 70 marcaram um período de crise de acumulação capitalista que obrigou a burguesia e seus auxiliares a encontrar soluções para tal crise. A solução encontrada foi o engendramento de um novo regime de acumulação denominado por uns de “acumulação flexível” (Harvey, 2008) e por outros de “acumulação integral” (Viana, 2009). Por uma questão conceitual, optamos pelo uso do conceito acumulação integral visto que tal regime é marcado tanto pelo aumento da exploração nos países imperialistas quanto nos países subordinados, tanto no aumento da extração de mais-valor relativo quanto na extração de mais-valor absoluto, ou seja, tal regime se afirma em um processo integral de acumulação. Essa busca pelo aumento da taxa de exploração ficará conhecida como “reestruturação produtiva” e terá no toyotismo a forma como o capitalismo se organizará para extrair mais-valor na contemporaneidade.
A acumulação integral realizada via organização toyotista do trabalho busca extrair mais-valor de forma intensiva e extensiva e para isso promove uma intensificação do processo de trabalho e um controle rigoroso sobre todo o tempo de trabalho, gerando mais-violência para o trabalhador. O caráter central do trabalho na contemporaneidade é a superexploração marcada pela intensificação do trabalho, pelo assédio moral, pela pressão psicológica, pelo desenvolvimento da síndrome da culpa, síndrome do pânico, pelo estresse, depressão, medo e várias outras formas de mais-violência derivadas do trabalho.
Em síntese, a acumulação integral é resultado da luta de classes que ameaçou a continuidade do regime de acumulação anterior (intensivo-extensivo) e representa uma ofensiva do capital contra o proletariado e suas conquistas. No entanto, esse processo é marcado também pela contra-ofensiva do proletariado e de outros grupos sociais. Basta resgatarmos todas as lutas que emergiram nessa nova fase tais como o movimento antiglobalização e sua expressão mais radical o Black Block, as lutas sociais contra a implementação das medidas neoliberais e o descontentamento de jovens imigrantes desempregados na França, o movimento zapatista e o episódio de Oaxaca no México, a emergência dos movimentos piqueteiros e ocupação de fábricas na Argentina e vários outros exemplos que marcam a nova dinâmica da luta de classes na contemporaneidade.
Percebe-se então que uma das características centrais da acumulação capitalista na contemporaneidade (e não da pós-modernidade) estão fundamentadas nas mesmas bases da modernidade (extração de mais-valor e luta de classes) e isso é suficiente para afirmar que a pós-modernidade não passa de ilusão de uma ideologia estéril - tal ideologia é, também, expressão da luta de classes nessa fase do capitalismo - que interessa a quem detém o poder, pois “idéias estéreis, podem gerar conservadorismo, imobilismo ou ações igualmente estéreis” (Viana, 2009, p. 169). E, nesse sentido, Eagleton constata que “tudo numa sociedade capitalista tem que ter sua razão e propósito – inclusive a ideologia pós-moderna” (2005, p. 163 – grifos meus).

Referências bibliográficas:

ARÓSTEGUI, Júlio. A pesquisa histórica. Bauru, SP: Edusc, 2006.
BRAGA, Lisandro. Acumulação capitalista e tendência à lumpemproletarização. Revista Enfrentamento. Ano 04, número 09, jul./dez. de 2010.
EAGLETON, Terry. As ilusões do pós-modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
____. De onde vêm os pós-modernistas? IN: Em defesa da História – Marxismo e pós-modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
____. Depois da teoria – um olhar sobre os estudos culturais e o pós-modernismo. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2005.
HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 2008.
LYOTARD, Jean François. O pós-moderno. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986.
MARCUSE, Herbert. Contra-revolução e revolta. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. O manifesto comunista. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004.
MULHERN, Francis. A política dos estudos culturais. IN: Em defesa da História – Marxismo e pós-modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
­­ VIANA, Nildo. Escritos metodológicos de Marx. Goiânia: Editora alternativa, 2007.
____. O que é o marxismo? Rio de Janeiro: Elo, 2008.
____. O capitalismo na era da acumulação capitalista. Aparecida, SP: Santuário, 2009.
____. Modernidade e pós-modernidade. Revista Enfrentamento. Ano 04, número 06, jan./jun. de 2009a.
WOOD, Ellen Meiksins.O que é a agenda pós-moderna? IN: Em defesa da História – Marxismo e pós-modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.









[1] Doutorando em Sociologia/UFG e professor de Teoria Política na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/UFMS.
[2] O termo política empregado aqui é derivado da idéia de luta de classes em sentido amplo e não no sentido comumente adotado que resume a luta política às lutas parlamentares, eleitorais ou através de golpe armado visando à conquista do Estado. Uma vez que, para Marx, o fundamental para a compreensão de uma sociedade são suas relações de produção, logo este é por essência o local privilegiado da luta de classes e todas as demais lutas políticas derivam daí.
[3] Trata-se de uma pseudo-erradicação, pois todas as características existentes nesse período e que serviram de base para afirmação da “erradicação” não existiam nos países de capitalismo subordinado e não se sustentaram nos países imperialistas. Com a crise do regime de acumulação intensivo-extensivo na década de 70 e instalação do regime de acumulação integral, surge um amplo processo de lumpemproletarização, derivado de um crescente aumento do desemprego, o fim de inúmeras políticas sociais e a perda de vários direitos sociais resultados da emergência do Estado Neoliberal em detrimento do sucateamento do dito Estado do “bem-estar-social”. 

quarta-feira, 22 de julho de 2015

REPRESSÃO PREVENTIVA E SELETIVA NA ARGENTINA

Repressão Preventiva e Seletiva na Argentina
Lisandro Braga*
O propósito desse texto é discorrer sobre as múltiplas determinações que envolvem a tríplice lumpemproletarização[1]-criminalidade-repressão policial na Argentina contemporânea, dando destaque aos diversos casos de execução sumária efetuada pela polícia sob a alegação de disparo acidental ou morte oriunda do enfrentamento. Esses episódios ficaram denominados na Argentina de gatillo fácil e fazem parte da cotidianidade dos bairros pobres e das lutas sociais desse país há mais de duas décadas. Para compreendermos essa tríplice em sua totalidade social é necessário recorrermos ao processo histórico de construção de uma nova realidade socioeconômica e cultural, tanto em escala mundial, quanto em escala local. Acreditamos que essa nova realidade é assinalada pela constituição de um regime de acumulação integral, do Estado neoliberal que o acompanha e o torna regular e do neoimperialismo que busca universalizá-lo (VIANA, 2009).
Acumulação integral, repressão e criminalização da pobreza
O regime de acumulação integral é fruto da resposta capitalista à crise do final da década de 1960 e início da década de 1970 provocada pela tendência declinante da taxa de lucro e marcada pela radicalização das lutas estudantis e operárias na França, Alemanha e Itália, bem como pelo movimento de contracultura e pelo movimento pacifista nos EUA, que foram responsáveis por promover a primeira rachadura no regime de acumulação intensivo-extensivo que, já no início da década de 80, entra em colapso.
Com a contínua queda na taxa de lucro entre as décadas de 1960 e 1970, o capitalismo precisou encontrar soluções para a crise e isso levou à construção de um novo regime de acumulação[2] marcado, tanto pelo aumento da exploração nos países imperialistas, quanto nos países subordinados, tanto no aumento da extração de mais-valor relativo, quanto na extração de mais-valor absoluto. A constituição do regime de acumulação integral visando combater a tendência declinante da taxa de lucro entre as décadas de 1960 e 1970 vem acompanhada pela substituição do Estado do Bem-Estar Social pelo Estado Neoliberal que terá a função de criar as condições institucionais necessárias para ampliar a acumulação de capital via neoliberalismo e neoimperialismo (VIANA, 2009; BRAGA, 2012).
Para que a acumulação integral ocorra é necessário garantir que um amplo processo de mudanças seja colocado em prática no campo das relações de trabalho, marcado pela corrosão dos direitos trabalhistas, pela (in)flexibilidade no sistema produtivo que veio a provocar uma imensa precarização e intensificação do trabalho e um processo crescente de lumpemproletarização via aumento do desemprego e da consolidação de um modo de vida que tende a se consolidar às margens da divisão social do trabalho e, consequentemente, da miséria em escala mundial. De acordo com Harvey,
o mercado de trabalho, por exemplo, passou por uma radical reestruturação. Diante da forte volatilidade do mercado, do aumento da competição e do estreitamento das margens de lucro, os patrões tiraram proveito do enfraquecimento do poder sindical e da grande quantidade de mão-de-obra excedente (desempregados ou subempregados) para impor regimes e contratos de trabalho mais flexíveis [...] Mesmo para os empregados regulares, sistemas como “nove dias corridos” ou jornadas de trabalho que têm em média quarenta horas semanais ao longo do ano, mas obrigam o empregado a trabalhar bem mais em períodos de pico de demanda, compensando com menos horas em períodos de redução da demanda, vêm se tornando muito mais comuns. Mais importante do que isso é a aparente redução do emprego regular em favor do crescente uso do trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado [...] A atual tendência dos mercados de trabalho é reduzir o número de trabalhadores “centrais” e empregar cada vez mais uma força de trabalho que entra facilmente e é demitida sem custos quando as coisas ficam ruins (2008, p. 143-144).
O neoliberalismo complementa toda essa mudança estrutural regularizando essas novas relações sociais, necessárias à efetivação da acumulação integral de capital. Nesse sentido, ele é marcado por uma enorme contenção dos gastos públicos em políticas sociais em geral e por uma onda avassaladora de privatização de empresas públicas. Uma das consequências sociais diretas e inevitáveis da promoção do Estado neoliberal é, sem sombra de dúvidas, o aumento do desemprego, da pobreza e das tensões sociais derivadas dos constantes cortes nas políticas de assistências sociais, da privatização de empresas públicas acompanhada de demissões em massa, da diminuição drástica da oferta de empregos, da miséria, da fome e da opressão em geral. Conforme sintetiza Harvey, o neoliberalismo “acentuou que o papel do governo é criar um clima de negócios favorável e não cuidar das necessidades e do bem-estar da população em geral” (2008a, p. 58). Veremos mais adiante que isso se aplica perfeitamente à realidade argentina pós-década de 1990.
As mudanças no mundo do trabalho em países de capitalismo subordinado, tal como é o caso argentino, remete às discussões sobre o neoimperialismo, uma vez que coube a esse expandir para vastas regiões do globo a dinâmica da acumulação integral e suas consequências sociais. O regime de acumulação intensivo-extensivo, que antecedeu ao regime de acumulação integral, garantia uma relativa estabilidade no bloco dos países imperialistas graças à superexploração existente no bloco dos países subordinados, através de uma acumulação extensiva, transferência de mais-valor para os países imperialistas, endividamento externo, da “troca desigual” etc. Porém, a situação já não é mais a mesma visto que para garantir a reprodução do capitalismo na era da acumulação integral, que entra em vigor a partir da década de 1980, não basta aumentar a já intensa exploração no capitalismo subordinado. Portanto, para se manter o novo regime de acumulação necessita aumentar a exploração no bloco subordinado, que a partir da queda do capitalismo estatal russo se amplia com os países do leste europeu, mas também no bloco imperialista (VIANA, 2009).
É neste contexto que emerge também o neoimperialismo, isto é, o imperialismo da acumulação integral que tem como função promover de forma generalizada a acumulação de capital em todo o mundo. Segundo Harvey,
para que tudo isso ocorresse, era necessário, além da financialização e do comércio livre, uma abordagem radicalmente distinta da maneira como o poder do Estado, sempre um grande agente da acumulação por espoliação, devia se desenvolver. O surgimento da teoria neoliberal e a política de privatização a ela associada simbolizaram grande parcela do tom geral dessa transição (2011, p. 129).
 O neoimperialismo busca reproduzir o processo de exploração global através das relações internacionais, visando aumentar a exploração que, consequentemente, representa maior quantidade de mais-valor produzido e maiores transferências de valor dos países imperialistas para os países subordinados. Deste modo, há uma tendência em aumentar a já elevada taxa de exploração nos países subordinados. É nesse sentido que esses três elementos – acumulação integral, neoliberalismo e o neoimperialismo - cumprem seu papel ao promover uma corrosão dos direitos trabalhistas e estabelecimento de estratégias para promover o aumento da extração de mais-valor relativo (maior controle do trabalho, novas tecnologias etc.), uma vez que a extração de mais-valor absoluto já existe e tende a se ampliar.
A acumulação integral consolidou um quadro social alarmante para a classe trabalhadora em todas as nações em que ela se fez presente: imensa precarização e intensificação do trabalho, retorno de extensas jornadas de trabalho, lumpemproletarização, desemprego e subemprego em massa, ruína de diversos bairros populares, expansão da criminalidade, mendicância, prostituição, elevação do consumo e tráfico de drogas (principal “lazer” e “trabalho” da juventude lumpemproletária), práticas compulsivas de disciplinamento, controle e violência policial, criminalização da pobreza acompanhada de recordes absolutos de encarceramento etc (HARVEY, 2008, 2008a; VIANA, 2009; WACQUANT, 2001, 2003, 2008; GARLAND, 2008).

Lumpemproletazação, criminalidade e gatillo fácil na Argentina contemporânea

 Com o propósito de compreender a maneira pela qual se promoveu uma expansão da lumpemproletarização na sociedade argentina contemporânea acompanhada de uma grande radicalização das lutas sociais, da elevação significativa da criminalização da pobreza, da criminalidade em geral (delitos à propriedade, delitos às pessoas, roubo com armas, homicídios, sequestros extorsivos etc.) e da repressão e violência policial, recorreremos ao processo histórico de constituição dessa realidade. Para isso nos propomos a analisar nosso objeto de estudo (o gatillo fácil) à luz das transformações históricas constituintes de um novo regime de acumulação, nos termos definidos por Viana (2009).
Não obstante a Argentina tenha sempre pertencido ao bloco de países capitalistas subordinados na divisão internacional do trabalho, durante décadas preponderou um modelo de integração de caráter nacional-popular cuja máxima expressão foi a primeira fase do peronismo (1946-1955). Tal modelo se constituía de três grandes atributos: economicamente se fundamentava no desenvolvimento de seu parque industrial e na estratégia de desenvolvimento do mercado interno. Seu segundo atributo era caracterizado pela apresentação do Estado como amplo agente promotor da coesão social, através dos investimentos públicos, e da ampliação da cidadania. Por último, havia uma tendência em possibilitar uma maior incorporação de parcela significativa das classes trabalhadoras bem como uma expansão das classes auxiliares da burguesia (SVAMPA, 2010).
Todavia esse modelo começa a se deteriorar paulatinamente a partir da década de 1970, se aprofunda durante a década de 1980 e desmantela-se na década de 1990 com o menemismo (1989-1999). Vejamos como esse processo ocorreu e sua relação com o objeto central desse estudo.
A primeira tentativa em direção a uma mudança no regime de acumulação ocorre sob o governo de Isabel Perón (1974-1976) e ficou conhecido como “Rodrigazo”. Sob direção do ministro da economia Celestino Rodrigo buscou-se uma reorientação fundamental da economia que visava por fim a economia nacionalista e reformista, própria do peronismo, e promover uma política de estabilização e ajuste orientada por uma aliança com o empresariado. Dentre as consequências de tais políticas, uma se apresenta bastante antipopular: o aumento de 200% das tarifas dos serviços públicos. No entanto, essa tentativa encontrou grandes obstáculos nas resistências populares que promoveram uma greve geral decretada pela Central Geral dos Trabalhadores (CGT) que exigia o fim imediato do plano de ajuste.
A segunda tentativa na direção dessa reorientação econômica foi realizada pelo golpe militar de 1976. Assim como em outros países latino-americanos, a ditadura na Argentina tinha como finalidade reestruturar a economia segundo os interesses empresariais nacionais e internacionais e para atingir esse objetivo programava uma política de repressão terrorista. Conforme Svampa,
o objetivo da ditadura militar argentina foi levar a cabo uma política de repressão, ao mesmo tempo que aspirava refundar as bases materiais da sociedade. Em consequência, a característica introduzida foi dupla: por um lado, mediante o terrorismo de Estado, apontou para o extermínio e disciplinamento de vastos setores sociais mobilizados; por outro lado, pois em marcha um programa de reestruturação econômico-social que produziria profundas repercussões na estrutura social e produtiva (2010, p. 23).
Os resultados dessa reestruturação modificaria efetivamente a estrutura socio-econômica argentina uma vez que levou a cabo um modelo fundamentado na abertura financeira e na importação de bens materiais e capitais. Consequentemente tais medidas promoveram uma severa redução da industrialização nacional e proporcionou um imenso endividamento público e privado, perceptível no aumento incrível da dívida externa que passara de 13 milhões em 1976 a 46 milhões no ano de 1983. Além disso, a ditadura militar seria responsável pelo processo de deslocamento industrial, acompanhado de uma vasta expulsão de mão-de-obra, pela expansão do lumpemproletariado, pela contração da demanda interna, pela deterioração dos salários etc. Juntamente com isso a classe trabalhadora perdeu o direito a negociações coletivas, o que refletiu negativamente na distribuição de renda (SVAMPA, 2010).
Diante dessa nova realidade, nascia na Argentina uma sociedade lumpemproletarizada e atravessada por amplas desigualdades sociais. O país experimentava o declínio estrutural do modelo nacional-popular sem contar com nenhuma chave para reencontrar a integração social de amplos setores populares e auxiliares empobrecidos.  Segundo Kessler & Virgilio,
uma das conseqüências de grande peso econômico e sócio-culturais mais inesperadas que os setores médios têm sofrido na Argentina foi a de dar origem a um tipo de pobreza com traços particulares, uma vez iniciado o intenso processo de empobrecimento sofrido pela sociedade desse país. Basta dizer que entre 1980 e 1990 os trabalhadores em seu conjunto perderam em torno de 40% do valor de suas rendas, e logo após certa recuperação em 1991 devido à estabilidade, voltaram a perder em torno de 20% entre 1998 e 2001, com importantes oscilações até hoje. A profundidade e persistência da crise iniciada em meados da década de 1970 fizeram com que milhares de famílias de classe média e de pobres de longa data, que no passado conseguiam escapar da miséria, visualizassem suas rendas declinar abaixo da “linha de pobreza” (2008, p. 32).
A herança deixada pela ditadura militar foi um país extremamente endividado, governado de forma corporativa, afundado na corrupção administrativa e com uma tradição política autoritária e violenta. Em 1992 com a chegada de Carlos Menen à presidência consolida-se o colossal processo de neoliberalização da economia que se iniciara com os governos militares. O menemismo foi responsável por estabelecer uma nova aliança política no seio do Partido Justicialista – partido oficial do peronismo – marcada cada vez mais por um afastamento das burocracias sindicais – aliadas históricas – e por uma vinculação cada vez mais estreita com as grandes corporações empresariais desejosas de uma reforma estatal de cunho neoliberal.
A década de 1990 veria consolidar os planos de ajustes que vinha se constituindo desde a década de 1970 e que seria expresso em uma diversidade de medidas: estabilização econômica, liberalização da economia, plano de convertibilidade e reforma do Estado. Não nos deteremos nos detalhes dessas medidas, mas tão somente nas suas consequências sociais que, para os propósitos desse estudo, são de importâncias fundamentais.
Em linhas gerais o novo regime de acumulação (integral) caracterizou-se por um modelo de “modernização excludente” (BARBEITO & LO VUOLO apud SVAMPA, 2010), visto que na década de 1990, apesar do crescimento de 28% da População Economicamente Ativa, o desemprego cresce 153% e o subemprego 115,4%.  Tal modernização foi marcada por um incremento da produtividade com insuficiente produção de emprego e crescente precarização das relações de trabalho. Juntamente com isso, milhares de pequenas e médias empresas decretaram falência visto que as mesmas não se encontravam em pé de igualdade para concorrer com a invasão de produtos externos.

 Figura 01: Evolução do desemprego e subemprego na Argentina (1990-2002).









Fonte: Ministério do Trabalho, Boletim de Estatísticas Laborais, 2003. Em: www.trabajo.gov.ar Acessado em: 08/07/2012.
Outra exigência fundamental do novo regime de acumulação foi a reforma geral do Estado. Essa foi caracterizada por uma drástica redução dos gastos públicos, descentralização administrativa, transferência das responsabilidades públicas para iniciativas privadas e gigantesca privatização de empresas estatais. Essa última revela a estreita relação entre a construção do Estado neoliberal argentino e os interesses do neoimperialismo, uma vez que quase todos os serviços básicos e essenciais à sociedade argentina se encontrarão, a partir daí, nas mãos de corporações estrangeiras com plena liberdade para elevar as tarifas de tais serviços (eletricidade, fornecimento de água, telefonia, gás, transportes públicos, combustíveis etc.).
Seguindo as análises de Maristella Svampa (2010) é possível perceber o forte impacto negativo nos empregos públicos, derivado do processo de desmantelamento das obrigações do Estado, a partir das privatizações dos principais serviços estatais:
Em cifras absolutas, se considerarmos somente as setes empresas mais importantes do setor (telefonia, correios, transporte aéreo, gás, água, energia e transporte ferroviário), até 1985 havia 243.354 funcionários do setor público. Em 1998, haviam reduzidos a 75.770. No geral as demissões massivas se combinarão com planos de demissão mais ou menos compulsivos, implementados em um lapso muito breve, durante o período prévio da privatização, quando as empresas eram declaradas “sujeitas a privatização”. Dessa maneira se habilitavam planos draconianos de racionalização, em mãos de todopoderosos interventores que respondiam diretamente ao Poder Executivo. Assim, entre 1991 e 1992, a redução do emprego prejudicou nada menos que a 100.000 trabalhadores do setor público (SVAMPA, 2010, p. 40).

Aliados, os processos de privatização e o intenso deslocamento de indústrias para outros países  foram responsáveis pela expansão do lumpemproletariado e do lançamento de mais de 50% da população abaixo da “linha da pobreza” e um crescimento vertiginoso da população na indigência. A paisagem urbana de diversas regiões do país se modificou completamente. Regiões que antes eram conhecidas como importantes cordões industriais (Grande Buenos Aires, Rosário e Córdoba) se transformaram em verdadeiros cemitérios de fábricas abandonadas e outras regiões conhecidas por fornecerem os principais combustíveis do país se tornaram espécie de “territórios fantasmas” completamente abandonados.

Figura 02 – Evolução da população (%) abaixo da linha da pobreza e da indigência. Grande Buenos Aires







Fonte: Ministério de Desenvolvimento Social e do Trabalho da Nação Argentina (2006). Em: MINUJIN & ANGUITA, Eduardo, 2004, p. 50.

Diante dos efeitos desintegradores da acumulação integral diversas organizações populares insurgiu com o intuito de promover uma resistência a esse quadro dramático e assustador e, na medida do possível, impor freio ao avanço do mesmo. Sem sombra de dúvidas um dos principais protagonistas da resistência ao neoliberalismo e suas consequências foi o movimento de desempregados conhecido como Movimento Piqueteiro[3].
No início dos anos 90, em diversas regiões petrolíferas do país que sofreram com o desemprego em massa, derivado do processo de privatização, iniciou-se um movimento de pressão popular caracterizado pela exigência de trabalho, de subsídios para garantir a sobrevivência, pois a maioria dos piqueteiros passava a “viver” abaixo da “linha da pobreza”, sem direito a alimentação, moradia, saúde etc., pelo caráter assembleiario de suas decisões e forma organizacional e, principalmente, por sua ação direta no enfrentamento contra as forças repressivas. Além disso, esse movimento tinha como principal ferramenta de luta o bloqueio de estradas (piquetes) fundamentais para a circulação de mercadorias. Diante da incapacidade do poder público em atender as reivindicações do movimento e da expansão do mesmo para diversas províncias do país, iniciou-se uma intensa política de repressão institucional e criminalização do protesto social na Argentina (KOROL & LONGO, 2009). E aqui começa a se revelar a face penal do neoliberalismo argentino que a partir de agora prenderá nossa atenção.
Durante quase toda a década de 1990 houve manifestações contrárias às consequências sociais das políticas neoliberais e em diversas delas houve enfrentamento com as forças policiais que paulatinamente foi ampliando suas práticas repressivas e o grau de violência no tratamento com os manifestantes. Uma prática comum das forças repressivas institucionais foi o gatillo fácil que é caracterizado pela CORREPI – Coordenadoria contra a Repressão Policial e Institucional[4] -, uma organização política de denúncias contra os direitos humanos na Argentina, como “execuções sumaríssimas aplicadas pelas forças policiais e que no geral tendem a ser ocultadas como ‘enfrentamentos’. Esta ‘pena de morte extra-legal’ se distingue por duas etapas: o fuzilamento e o encobrimento”. A partir de agora gostaríamos de apresentar alguns exemplos de casos de gatillo fácil que reforça a tese segundo a qual o que vem ocorrendo na Argentina entre a década de 1990 até o ano de 2002 (momento ápice da rebelião argentina) é uma tentativa anti-democrática de criminalizar e silenciar os protestos e lutas sociais legítimas:

Tabela 01 – Resumo de casos de gatillo fácil na repressão seletiva contra os contestadores sociais:
Data/Local
Vítimas de gatillo fácil
Descrição
12/04/1995
Tierra del Fuego
Víctor Choque
37 anos, operário da construção assassinado pela policial local durante uma mobilização.
12/04/1997
Cutral Có
Teresa Rodríguez
24 anos, empregada doméstica assassinada pela ação da Gendarmería[5] durante uma manifestação docente.
17/12/1999
Ponte que liga as províncias Corrientes e Chaco
Mauro Ojeda e Francisco Escobar
18 anos, desempregado e 25 anos, cartonero. Ambos assassinados à queima roupa pela Gendarmería na ocupação da ponte Manuel Belgrano.
09/05/2000 Puebladas em General Mosconi e Tartagal – Província de Salta
Orlando Justiniano e Matías Goméz
21 anos e 18 anos respectivamente. Ambos assassinados pela polícia provincial.
10/11/2000
General Mosconi e Tartagal – Província de Salta
Aníbal Verón
37 anos, motorista da empresa de transporte Atahualpa. Assassinado com um tiro no rosto pela Gendarmería, durante o bloqueio da estrada 34.
Junho de 2001
General Mosconi e Tartagal
Oscar Barrios e Carlos Santillán
17 anos e 27 anos respectivamente. Ambos desempregados (piqueteiros) e assassinados pela polícia provincial em um bloqueio de estrada.
19 e 20/12/2001
Diversas cidades do país
37 pessoas assassinadas
Rebelião generalizada em diversas cidades do páis com epicentro na Capital Federal (Buenos Aires) que caracterizou uma profunda crise institucional[6].
06/02/2002
Cidade de El Jagüel
Javier Barrionuevo
31 anos, desempregado e militante de um Movimento de Trabalhadores Desempregados – MTD. Assassinado no bloqueio da estrada 205.
26/06/2002
Cidade de Buenos Aires
Darío Santillán e Maximiliano Kosteki
21 anos e 22 anos respectivamente. Ambos militantes de organizações piqueteiras e executados sumariamente pela polícia de Buenos Aires durante uma intensa repressão promovida por diversas forças policiais à tentativa de ocupação da
Ponte Pueyrredón.
Fonte: KOROL, Claudia & LONGO, Roxana. Criminalización de los movimientos sociales en Argentina – Informe general. IN: KOROL, Claudia (org.) Criminalización de la pobreza y de la protesta social. Buenos Aires: El colectivo, America libre, 2009.
O crescente processo de criminalização dos movimentos sociais e de seus protestos em várias regiões do mundo, e particularmente na Argentina, exprime outra face do Estado neoliberal e de sua determinação em tornar regular a dinâmica da acumulação integral. Para isso, ele precisar criminalizar a pobreza e os movimentos sociais de luta contra a mesma, pois um combate efetivo à pobreza e ao desemprego já não constitui algo que se possa visualizar no interior desse regime de acumulação. Além disso, a emergência de lutas sociais com tendências cada vez maiores à radicalização pressiona o Estado e obstaculiza cada vez mais o processo de acumulação. Eis a função da criminalização do protesto social derivado do crescente processo de lumpemproletarização.
A trajetória histórica de avanço dos índices de desemprego, subemprego, indigência e pobreza na Argentina entre os anos de 1990-2003 coincide com o avanço das taxas de delito em geral. Isso nos possibilita indagar: Existe uma relação concreta entre lumpemproletarização, pobreza e criminalidade? Acreditamos que sim. Contudo não se trata de uma relação mecânica, causal, mas sim, complexa e envolvida por uma multiplicidade de determinações que não cabe aqui serem discutidas.
Os anos de 1990 na Argentina, assim como em vários outros países latino-americanos, presencia uma escalada surpreendente das taxas de delitos tais como homicídios, roubos com armas, furtos etc. (CIAFARDINI, 2006). Os gráficos a seguir são demonstrativos de tal escalada:




 Figura 03 – Evolução da taxa de delitos.









Fonte: Registro Nacional de Reincidência (até 1998) e Direção Nacional de Política Criminal (1999 em diante). Ministério da Justiça da República Argentina. Em: CIAFARDINI, 2006, p. 57.



Figura 04 - Evolução, em porcentagem, de vítimas de roubo com armas.









Fonte: Pesquisas de vitimização, Direção Nacional de Política Criminal, Ministério da Justiça da República Argentina. Em: CIAFARDINI, 2006, p. 62.

A explicação mais convincente para o crescimento exponencial dos delitos em geral na Argentina é, sem sombra de dúvidas, o amplo processo de lumpemproletarização e o consequente empobrecimento que tem experimentado quase metade da população nacional entre os anos de 1990 e 2003. O imenso processo de deterioração das condições socioeconômicas afeta diretamente os jovens. O processo de neoliberalização globalizada atingira duramente a juventude que sofrera com o intenso avanço de desinstitucionalização (crise da escola, crise da família etc.) e de desestruturação do mercado de trabalho na Argentina desse período (SVAMPA, 2010). Segundo Svampa,
em maio de 1995, quando o país alcançou seu primeiro recorde histórico de desemprego (18%), o desemprego dos jovens da Área Metropolitana de Buenos Aires alcançava 34,2%. Em novembro de 1999, os jovens desempregados (entre 15 e 24 anos) duplicavam a taxa nacional de desemprego, alcançando 27%. As cifras indicavam também que 40% dos jovens estavam abaixo da linha de pobreza. Contudo, dados mais recentes assinalam que 6 de cada 10 jovens são pobres; isto é, 5.500.000 pessoas entre 15 e 29 anos (2010, p. 172).
A falta de experiência e qualificação laboral, juntamente com uma formação escolar débil faz dos jovens uma clientela preferencial para todo tipo de trabalho precário e condições vulneráveis de existência, uma vez que as empresas de organização integral contam com suas “capacidades maleáveis” e inexperiência sindical de lutas e resistências. Diante desse panorama não é difícil perceber que muitos desses jovens também sobrevivem nas franjas da ilegalidade da “economia das ruas” (WACQUANT, 2008). Obviamente eles se tornaram as maiores vítimas do controle, disciplinamento compulsivo e repressão preventiva efetuado pelos aparatos repressivos da polícia, assim como as maiores vítimas de gatillo fácil e de diversas outras arbitrariedades extremamente violentas e letais praticadas cotidianamente por diversos policiais (ALES, 2009; SVAMPA, 2010).
Para corroborar a afirmação segundo a qual são os jovens pobres as maiores vítimas do controle e disciplinamento compulsivo efetuado pela polícia, assim como as maiores vítimas de gatillo fácil, utilizaremos dos registros de duas organizações de investigação e defesa dos direitos humanos na Argentina. Trata-se do Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS[7]) e da Coordenadoria contra Repressão Policial e Institucional (CORREPI).
Uma particularidade presente em quase todos os casos de gatillo fácil ocorridos na Argentina está nas formas como as execuções são realizadas. As vítimas geralmente são: jovens confundidos com outros jovens, jovens em fuga ao praticar um delito, vítimas de abuso de autoridade que resultam em mortes nas revistas policiais (o famoso baculejo), jovens executados por estarem em lugares e horários suspeitos etc. Juntamente com isso, outra particularidade envolta nesses casos é fornecida pela “justificativa” da instituição policial que quase sempre alega que a morte foi provocada por enfrentamento com a polícia, que constantemente implanta armas nos locais em que ocorre o gatillo fácil.
De acordo com a base de dados do Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS), a violência promovida pelas instituições de segurança (polícia em geral) tem gerado na última década 2.753 vítimas fatais somente na região metropolitana de Buenos Aires. Em meio a toda essa violência existe um amplo leque de situações envolvendo a participação de policiais: execuções sumárias, enfrentamentos armados, abuso da força, torturas seguidas de morte, pessoas assassinadas em protestos sociais, crimes efetuados por policiais por motivos particulares e casos graves de violência efetuado por policiais no interior de relações familiares etc. (PALMIERI, 2008).
A revista da CORREPI O Anti represivo de novembro de 2010 aponta que desde dezembro de 1983 até novembro de 2010 a polícia argentina havia assassinado 3.093 pessoas e mais da metade, 1.634, ocorreram sob o governo dos Kirchner que “tanto gosta de se autoproclamar como governo dos DDHH” (CORREPI, 2010). Entre novembro de 2009 e novembro de 2010, aproximadamente, ocorreram 220 casos de mortes por gatillo fácil e torturas no cárcere, prisões e institutos de menores infratores.

Figura 05 - Pessoas mortas em atos violentos com participação de policiais na região Metropolitana de Buenos Aires.







Fonte: Base de dados do Centro de Estudos Legais e Sociais.
Nota: Além de funcionários policiais, se incluem membros de todas as instituições estatais que exercem o papel de força de segurança na representação do Estado: Forças armadas, serviços penitenciários, forças de segurança federais (Gendarmería Nacional, Polícia de Segurança Aeroportuária, Prefeitura Naval Argentina).

No fundo o que vem ocorrendo em todo o território argentino, especialmente na região da Grande Buenos Aires, é uma política estatal de repressão preventiva contra a possibilidade de emergência de novas organizações populares nos bairros pobres[8], e contra os delitos cometidos pela juventude lumpemproletária contra a propriedade. Uma prova disso é o crescente processo de militarização dessas áreas cujos habitantes vivem em constante processo de vigilância e controle por parte das instituições de segurança.
Outro elemento que reforça a tese segundo a qual o Estado neoliberal equivale a um Estado Penal (Wacquant, 2001) e, consequentemente, suas ações apontam para uma maior repressão e criminalização dos setores mais pobres da sociedade é fornecido pelo aumento significativo dos investimentos governamentais na polícia. O caso mais visível é o da Gendarmería, visto que
desde 1938, data de sua criação em plena “década infame”, até agora, nunca a gendarmería havia sido tratada com tanta consideração, especialmente, por parte dos governos vigentes. Basta assinalar que em 2011 seus recursos se viram incrementados em 23%, porcentagem que está acima de qualquer outro setor do gasto público e que sua participação na distribuição dos gastos de segurança interna passou, nestes 08 anos do governo dos Kirchner, de 31% em 2002, (frente aos 42% que ostentavam a Polícia Federal), a uma quase paridade com a “federal”, em torno de 38% dos gastos, mas com apenas 42.000 efetivos frente aos quase 60.000 da polícia federal (ROCCHIO, 2011, p. 07). 
O “Operativo Centinela”, colocado em prática desde o final de 2010, mantém aproximadamente 6.000 gendarmes controlando o Conurbano Bonaerense (região metropolitana de Buenos Aires) e, a partir de julho de 2011, 2.500 gendarmes e outros patrulheiros passaram a exercer um controle diário sobre os bairros localizados ao sul da cidade de Buenos Aires sob a marca do “Operativo Unidade Cinturão Sul”. Isto é, o Estado argentino vem promovendo uma verdadeira militarização dos bairros pobres da cidade de Buenos Aires e de sua região metropolitana com o intuito de coibir a reorganização dos movimentos sociais emergidos durante a grande rebelião argentina e reprimir os delitos contra a propriedade privada.
Em síntese, além de promover uma criminalização dos movimentos sociais, juntamente com uma repressão violenta dos seus militantes, que conforme demonstrou a tabela 01, são constantemente vítimas de gatillo fácil, o Estado neoliberal argentino vem promovendo uma criminalização e repressão violenta dos setores mais pobres de sua sociedade. Acredita-se que a política estatal de repressão preventiva argentina execute em média um jovem por dia em casos de gatillo fácil, tortura na prisão e delegacias. Segundo informações da CORREPI (2011a), no ano de 2010 foram registradas mais de 300 mortes promovidas pelas forças de repressão argentinas. Desde o retorno da democracia no ano de 1983, a repressão preventiva pôs fim a quase 3.400 vidas. Em sua maioria, jovens habitantes de bairros pobres, nos quais dois terços possuíam menos de 35 anos. O Banco de dados da CORREPI mantém atualizado desde 1996 os casos de gatillo fácil que revela em seus gráficos um acumulo hediondo: 1996 (ano) – 262 (casos), 1997 – 382, 1998 – 471, 1999 – 635, 2000 – 833, 2001 – 1008, 2002 – 1292, 2003 – 1508, 2004 – 1684, 2005 – 1888, 2006 – 2114, 2007 – 2334, 2008 – 2557, 2009 – 2826, 2010 – 3093, 2011 – 3393 (CORREPI, 2010a).
Para a CORREPI, todos esses casos são reveladores daquilo que há anos ela vem denunciando e combatendo, isto é, que o gatillo fácil é uma política de Estado. O Estado neoliberal argentino substitui a face social do Estado por sua face penal que paulatinamente se apresenta como uma espécie de panoptismo social (Wacquant, 2008; Foucault, 2009). Além do mais, o endurecimento das práticas repressivas e dos milhares de casos de gatillo fácil equivale a uma nítida política de repressão contrarebelião preventiva que, nos termos de Foucault (2009), visa disciplinar e docilizar os corpos, mas não quaisquer corpos, tão somente dos jovens pobres das periferias argentinas apresentados como  “populações sobrantes” compostas por “classes perigosas”.

Referências bibliográficas:

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____. A teoria das classes sociais em Karl Marx. Goiânia: Grupo de Pesquisa Dialética e Sociedade, 2012.
WACQUANT, Loic. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
____. Punir os pobres – a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Revan, 2003.
 ____. As duas faces do gueto. São Paulo: Boitempo, 2008.






* Doutorando em Sociologia no Programa de Pós-graduação da Faculdade de Ciências Sociais/Universidade Federal de Goiás.
[1] Em nossa análise, o lumpemproletariado é ressignificado na contemporaneidade a partir de uma teoria marxista das classes sociais. No entanto, não ficamos presos à análise que Karl Marx realiza sobre o lumpemproletariado, o que não significa que abandonamos as contribuições desse autor para pensar tal classe social, mas tão somente que procuramos ir além dele sem necessariamente abandoná-lo. Em outras palavras, utilizamos as contribuições existentes ao longo de sua vasta obra para pensar o conceito de classes sociais. Dessa forma, afirmamos que o lumpemproletariado é composto pela totalidade do exército industrial de reserva (desempregados, subempregados, mendigos, sem-teto, prostitutas etc.) uma vez que os indivíduos que compõem essa totalidade possuem características em comum e que possibilitam sua definição como classe, da mesma forma divisões apontadas pelo conceito de frações de classe. Assim como as demais classes sociais do capitalismo, é o seu modo de vida que possibilita sua unificação como classe. No entanto, ao contrário das demais classes sociais que são unificadas a partir da sua posição na divisão social do trabalho capitalista, o lumpemproletariado se unifica pela condição de marginalidade na divisão social do trabalho e tal condição o torna uma classe social (VIANA, 2012).
[2] Para Viana, “um regime de acumulação é um determinado estágio do desenvolvimento capitalista, marcado por determinada forma de organização do trabalho (processo de valorização), determinada forma estatal e determinada forma de exploração internacional” (2009, p. 30).
[3]  Para maiores informações sobre o movimento piqueteiro ver: (MERKLEN, 2005); (SVAMPA & PEREYRA, 2009).
[4] Para maiores informações sobre essa organização visitar o site www.correpi.lahaine.org
[5]  A Gendarmería equivale a uma polícia especial desenvolvida originalmente para atuar nas regiões de fronteira argentina, mas que após a eclosão das lutas sociais radicalizadas no final da década de 1990 foi utilizada constantemente e especialmente no combate à ocupação de fábricas e corte de ruas e estradas praticado pelo movimento operário e pelos movimentos piqueteiros. A mesma foi responsável por diversos casos de gatillo fácil contra militantes sociais em toda a Argentina.
[6] Para acessar a lista de nomes das pessoas assassinadas nessa rebelião ver: KOROL, Claudia & LONGO, Roxana. Criminalización de los movimientos sociales en Argentina – Informe general. IN: KOROL, Claudia (org.) Criminalización de la pobreza y de la protesta social. Buenos Aires: El colectivo, America libre, 2009.

[7] Para maiores informações sobre o Centro de Estudos Legais e Sociais ver: www.cels.org.ar
[8]  As primeiras organizações de desempregados que promoveram grande pressão popular contra o processo de neoliberalização e lumpemproletarização na Argentina emergiram a partir das organizações territoriais existentes em diversos bairros do Conurbano Bonaerense, que, a partir de 1997, constituíram um espaço privilegiado de militância e ação política independente das estruturas hierárquicas dos partidos políticos e sindicatos. Nesse sentido os bairros forneceram um lócus de militância inovadora e ameaçadora para o poder constituído.